Aprovado no Senado no último dia 26 de outubro por 49 votos a favor, sete contras e uma abstenção, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 1/2010, conhecido como a Lei de Competências Ambientais, está deixando gestores ambientais de cabelo em pé. O texto votado restringe o poder de fiscalização do Ibama e torna irrelevante o papel do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). O projeto original apresentado em 2003 pelo deputado federal Sarney Filho (PV-MA) visava a cooperação entre União, Estados e Municípios. Mas não foi bem isso que seguiu para a mesa de presidência. Depois de várias emendas, a lei praticamente deixa o governo federal sem poder no combate a crimes ambientais e licenciamento de obras de impacto regional.
O ponto mais polêmico, a determinação de que os processos de licenciamento e fiscalização sejam feitos por uma única entidade, tira o Ibama de cena. Como são os Estados que dão autorizações para eventuais desmatamentos, fica nas mãos destes a prerrogativa de multar e punir autores de crimes ambientais.
“Isso representa enorme retrocesso na gestão ambiental integrada”, argumenta o deputado Sarney Filho. Para ele, o mérito da matéria foi alterado, e por isso deveria voltar a votação na Câmara dos Deputados. “A proposição destina-se a dispor sobre a forma de cooperação entre os entes federativos, na execução das competências comuns e não para suprimir essas competências”, reclama. Após a votação, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) comemorou e declarou que o "O Ibama não é a Santa Sé, ele não está acima de qualquer suspeita, não" A regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal, no que diz respeito às competências dos entes da federação quanto às ações na área ambiental, foi uma das principais promessas do governo Lula para melhorar o licenciamento ambiental das obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). No entanto, a matéria perdeu força no executivo com a saída da então ministra de Meio Ambiente, Marina Silva. Sem acompanhamento do governo, o texto original de Sarney virou um Frankstein acomodando interesses do setor agropecuário e de infra-estrutura.
Para a secretaria-geral do WWF- Brasil, Maria Cecília Wey de Brito, existe uma clara tentativa de simplificar a maneira como são realizados os procedimentos de licenciamentos ambientais no Brasil. “A aparência de todo texto, é que um processo que deveria ser técnico passará a ser mais político”, diz. Ela cita como exemplo a transferência dos poderes do Conama para as Comissões Tripartires, que são formadas por representantes do poder executivo. “Essas comissões, que são partidárias, vão passar a definir, por exemplo, o que é poluidor ou não. Haverá uma falta de transparência e será muito mais fácil ocultar os problemas”, detalha Maria Cecília.
“O projeto do Deputado Sarney Filho queria disciplinar as ações de vários níveis de governo para evitar a duplicação. Entretanto foi capturado por Kátia Abreu e companhia”, lamenta Paulo Brandão, engenheiro florestal e pesquisado sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Ele aponta que de acordo com o projeto, mesmo que o Ibama identifique a infração, teria que notificar o órgão licenciador para autuar, e este a seu critério, autuaria ou não. “Ou seja, criaria mais burocracia e mais risco de impunidade, pois o estado poderia ignorar a notificação”, explica.
O que muda com a nova lei
- Normas do Conama perdem caráter nacional frente a Comissões Tripartides.
- Desmatamentos serão autorizados e fiscalizados por órgãos estaduais e municipais.
Ameaça à preservação
Se sancionada pela presidente Dilma Rousseff, o Ibama não poderá fiscalizar desmatamentos, pesca, extração mineral, degradação de empreendimentos licenciados pelos Estados e Municípios. “Isso enfraquece sobremaneira a proteção dos recursos naturais, ao limitar ao Ibama tal competência, uma vez que, na maioria dos casos, os Estados e Municípios, além de contarem com pouca estrutura, são mais vulneráveis às pressões políticas e empresariais”, indigna-se Sarney Filho. Numa Carta Aberta direcionada à presidente, os servidores do Ibama de Santa Catarina solicitaram o veto ao artigo 21 da PLC, e ressaltaram o grande interesse financeiro que corre paralelo às questões ambientais. “As questões ambientais vem se contrapondo cada vez mais a voracidade da expansão agropecuária sobre as florestas nativas de todo o Brasil, e ao “garimpo” de madeiras nobres que corre na Amazônia Legal”, disse a Carta. O coordenador adjunto do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental, Raul Silva Telles do Valle diz que um dos maiores problemas é a concorrência entre as entidades, que pode gerar ou não impunidades ou diminuição de penas. “Por exemplo, se o Estado, após assumir o caso, suspender o embargo feito pelo município, ou diminuir o valor da multa aplicada. Pelo texto aprovado isso é possível, e não há o que fazer”, diz o coordenador, lembrando que em qualquer caso a sanção aplicada deve estar baseada na legislação existente. “ Ou seja, não é algo totalmente arbitrário, e portanto já tem limites mínimos e máximos definidos”, completa Raul.
Brandão, do Imazon, acredita que em geral, estas e outras mudanças visam reduzir a efetividade das leis ambientais que aumentou nos últimos anos, incluindo o embargo econômico de áreas desmatadas ilegalmente, o confisco e leilões de bens como gado e madeira. “É a prática contradizendo o discurso. Todos eles dizem que são a favor da sustentabilidade, mas no dia a dia fazem tudo possível no sentido contrário”, desabafa.
Fonte: www.oeco.com.br |