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IMPUNIDADE E FALTA DE PREPARO FACILITAM TRÁFICO DE ANIMAIS

“Falta inteligência policial na repressão ao tráfico de animais”, adverte o Marcelo Pavlenco Rocha, presidente da SOS Fauna, uma entidade com 22 anos de atividade no combate a esse crime que troca a biodiversidade de todos por uns trocados a poucos. A crítica que faz ao planejamento das ações é simples: os policiais deveriam considerar a época e os locais onde a captura de animais é mais frequente, para então criar plantões de fiscalização nas estradas que ligam a região fornecedora à região consumidora, os grandes centros urbanos, em especial as feiras de passarinhos ou “feira do rolo”, onde esse comércio ilegal é comum.
 
A elaboração de estratégias com apoio de biólogos, ornitólogos e outros conhecedores dos ciclos dos animais visados serviria para potencializar o trabalho dos poucos fiscais e policiais especializados no combate ao tráfico da natureza.

Nas universidades, pessoas que defendem esse tipo de tática. O professor Enrico Bernard, do departamento de Zoologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), orientador de pesquisas sobre o comércio ilegal de aves, confirma que é possível se determinar a região de onde os animais são capturados e também a época do ano em que as ocorrências são maiores. “Esse mapeamento é possível e outros artifícios jurídicos podem ser usados, como a delação premiada”, propõe Enrico Bernard.

O recurso que oferece a um indiciado a chance de reduzir sua pena a partir da sua colaboração nas investigações deixa visível outro problema que o professor Enrico e Marcelo Rocha conhecem: a classificação dos crimes ambientais entre os de menor potencial ofensivo. “Esse recurso é praticamente um estímulo aos criminosos”, critica o presidente do SOS Fauna. Com penas leves, o interesse pela delação é baixo.

Marcelo Rocha conta que antes de 1998, estava em vigor a lei federal 5.197 (de 1967) em relação aos crimes contra nossa fauna. A lei punia de maneira rígida, com penas de reclusão e a classificação de crimes inafiançáveis. “Os casos de tráfico de animais somavam 700 apreensões”, aponta. A partir de 1998, com a chegada da lei número 9.605, as penas ficaram mais brandas, esses crimes são considerados de menor poder ofensivo. As apreensões começaram a somar 1.500. “A legislação mudou e a quantidade de crimes dobrou”, resume. Em julho, nova alteração no Código de Processo Penal: os crimes com pena prevista inferior a quatro anos dariam ao réu, sob fiança, o direito de responder aos mesmos em liberdade.

O professor Enrico Bernard considera o tráfico o sumidouro da biodiversidade nacional. “Em uma pesquisa, estimamos que até 52 mil animais podem ser comercializados em apenas 8 feiras em um ano. E fomos conservadores. Pegue estas estimativas e multiplique pelo número de feiras de bichos que existem pelo Brasil e você vai ter uma idéia do tamanho do estrago”, alerta. “O estrago está sendo subdimensionado”.

Sem impunidade

Novamente, a utilização da inteligência na investigação e a responsabilização do criminoso seriam, segundo Marcelo Rocha, a melhor forma para se combater o crime de tráfico de animais. “Se retirar filhotes de papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) do seu ninho é um ‘crime menor’ para o judiciário, a formação de quadrilha continua com a pena de reclusão de 1 a 3 anos”, pondera.

Ele conta que, em parceria do SOS Fauna com agentes da Polícia Federal, um criminoso conhecido foi detido, mas não foi mantido preso. Ao contrário: os policiais conseguiram autorização para se fazer escuta das ligações do celular do suspeito para se localizar os outros envolvidos no transporte dos bichos. Em um segundo momento, todos foram presos por tráfico de animais e, principalmente, formação de quadrilha. “A pena é maior e eles não saem da delegacia para voltar a traficar com tanta pressa”, prega.
 
Marcelo Rocha conta casos de suspeito detido com grande quantidade de aves nativas, que perde a carga, perde o automóvel que utilizava, mas ganha a liberdade depois de indiciado na delegacia. “Na semana seguinte, em nova operação, o mesmo suspeito foi preso com nova carga”.

Nesses casos, a major Erika Melcop, comandante da Companhia Independente de Policiamento ao Meio Ambiente (Cipoma) da Polícia Militar de Pernambuco, recomenda o rigor da multa. “Um recurso válido para punir, administrativamente, o criminoso”, diz.

Apreensão de papagaios
 

Nos meses de setembro e outubro, o Cipoma e o Ibama em Pernambuco foram responsáveis por uma das maiores apreensões de filhotes de papagaio-verdadeiro, papagaio-galegos e maritacas já realizadas, quando foram descobertos em Petrolina, sertão do São Francisco, 517 animais sendo transportados em caixas de papelão, gaiolas e até caixas de ketchup. A major Erika Melcop disse que os suspeitos que respondiam pela carga vão ter de pagar de R$ 400 a R$ 7 mil por cada animal ou filhote (a se considerar o valor mínimo, um total de R$ 206 mil). “Eles cometeram várias ilegalidades nesse caso, porque até violar um ninho já é considerado crime”.
 
As centenas de filhotes foram retiradas do comércio negro e levadas para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) criaram uma dificuldade: como alimentar tantos filhotes, ao menos três vezes ao dia? O Ibama fez uma convocação pública por voluntários e a resposta foi rápida: cerca de cem pessoas se apresentaram para auxiliar na tarefa.

A reunião de voluntários em benefício de animais roubados da natureza é prática frequentemente adotada pelo SOS Fauna. Eles deram apoio ao Ibama em Pernambuco e, em outra grande operação, vão levar para o Mato Grosso do Sul várias papagaios apreendidos e colocados sob os cuidados da ONG.
 
A apreensão da carga feita em Pernambuco revela outro aspecto preocupante, conta Marcelo Rocha: “As aves estão sendo capturadas na fase de nascimento do papagaio-verdadeiro”. No levantamento foi pelo SOS Fauna, 1.369 filhotes desta espécie foram identificados em sete apreensões. “Em duas dessas ações, as aves estavam com as mesmas pessoas em um período menor que 15 dias”.
 
A bióloga Juliana Machado Ferreira, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) disse que nessas apreensões foram encontradas apenas espécies com menos de 10 dias de vida. As aves estão entre os animais mais apreendidos, de acordo com os dados do Cetas em Pernambuco. Em 2010, foram retirados da natureza 5.843 animais. Destes, 5 mil eram aves. De janeiro até o início de outubro, 5.072 animais ingressaram no Cetas, sendo 4.478 aves.

Fonte: www.oeco.com.br