Mudanças climáticas: 'A conta está na mesa, mas ninguém quer pagar' Em entrevista especial para o IHU, a professora da Universidade Federal Fluminse Márcia Valle Real, diz que o “custo político e econômico das ações” ficará a cada dia mais elevado, porque “as questões econômicas, que tiveram início em 2008, ainda predominam como foco central das ações políticas globais”.
O relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma em relação às mudanças climáticas, apresentado no final do ano passado, não trouxe novidades, mas reiterou o alerta da comunidade científica sobre os estudos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC e “confirmou que as ameaças climáticas são reais”, disse Márcia Valle Real em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail.
Apesar de estarem aparentemente preocupados com as consequências das mudanças climáticas, muitos dos países que assinaram o Protocolo de Kyoto há 14 anos não cumpriram as metas estabelecidas. Pelo contrário, “aumentaram em mais de 10% as suas emissões”. Na avaliação professora da Universidade Federal Fluminense – UFF, se as ações políticas e ambientais se mantiverem como estão, será difícil evitar que a temperatura média do planeta “exceda a 2º Celsius no final do século”. Em sua avaliação, o “custo político e econômico das ações” ficará a cada dia mais elevado, porque “as questões econômicas, que tiveram início em 2008, ainda predominam como foco central das ações políticas globais”.
Márcia Valle Real é graduada em Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre e doutora em Engenharia de Transportes pela mesma universidade. Atualmente é professora da Universidade Federal Fluminense – UFF.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as principais novidades do relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma em relação às mudanças climáticas?
Márcia Valle Real – A meu ver, não há nada de novo. A comunidade científica, através do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC, confirmou que as ameaças climáticas são reais. Eles também já nos informaram o que é preciso fazer e quanto deve custar para minimizar os danos e os consequentes prejuízos humanos e financeiros. Ou seja, muito já foi pesquisado e dito. No entanto, agora a conta está na mesa, mas ninguém quer pagar.
IHU On-Line – De acordo com o relatório do Pnuma, o planeta terá, em 2020, 50 gigatoneladas – Gt de CO2 Como a senhora avalia este dado? O que esse valor significa, considerando as mudanças climáticas?
Márcia Valle Real – Se daqui até 2020 não forem feitas mudanças em nossos modi vivendi e operandi, ou seja, se o cenário se mantiver como está, chegaremos a 2020 com emissões globais médias de 56 gigatoneladas – Gt de CO2 e (equivalente). Este valor é muito superior às emissões globais médias de 44Gt CO2 e estimadas para evitar que a temperatura média do planeta exceda a 2º Celsius no final do século. Portanto, serão necessários esforços significativos para não ultrapassar os 44Gt de CO2 em 2020. Eu diria que eles são quase impossíveis de serem praticados.
IHU On-Line – Quais as condições de ainda conter ou amenizar os impactos das mudanças climáticas?
Márcia Valle Real – Existem várias alternativas disponíveis, conforme reportado no relatório “Bridging the Emissions Gap”. No entanto, poucos são os países que estão cumprindo os compromissos assumidos no Protocolo de Kyoto, bem como as metas assumidas em Copenhague.
IHU On-Line – Em sua avaliação, como os governos estão tratando a questão das mudanças climáticas? Há de fato uma preocupação com o tema?
Márcia Valle Real – A meu ver, preocupação até podem ter, mas são poucas as ações efetivas para combater o problema. As questões econômicas, que tiveram início em 2008, ainda predominam como foco central das ações políticas globais.
IHU On-Line – O que o Brasil tem feito, na prática, para amenizar e monitorar as mudanças climáticas?
Márcia Valle Real – O governo nacional tem promovido diversos estudos e ações para promover a mitigação das emissões e adaptação do território para reduzir os impactos dos problemas que iremos enfrentar. A maioria dessas ações se coaduna com a agenda governamental associada aos transportes, ao saneamento e resíduos sólidos, sistemas de alarme de enchentes e secas, adaptação das culturas agrícolas, entre outros. Mas é pouco; é preciso fazer muito mais, especialmente na área de educação e comunicação, para que a população entenda o papel fundamental que exerce. Todos nós temos responsabilidades diretas, ao escolhermos nossos estilos de vida. Mas, as ignoramos seja por conveniência, por desconhecimento ou por negligência.
IHU On-Line – Que acordos ou metas deveriam ser seguidos para resolver os problemas climáticos?
Márcia Valle Real – Com toda a certeza, os países mais desenvolvidos economicamente precisam cumprir os compromissos já assumidos, mas ainda assim será pouco. Passados 14 anos da assinatura e seis anos da entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, e até hoje, a maioria dos países não cumpriu suas metas. Pelo contrário, aumentaram em mais de 10% as suas emissões. Ou seja, ninguém quer ceder, e o custo político e econômico das ações que precisam ser tomadas a cada dia fica mais elevado. As localidades mais pobres serão as mais afetadas, pois têm menor capacidade de se recuperar; possuem menor resiliência.
IHU On-Line – As mudanças no texto do Código Florestal, caso ele seja aprovado, terá implicações positivas ou negativas nas mudanças climáticas no país?
Márcia Valle Real – Ainda não estão disponíveis resultados de estudos que permitirão identificar como se darão os impactos. A meu ver, o que é mais importante é que o Código seja cumprido, já que o anterior não o era há muitos anos.
IHU On-Line – Sua tese de doutorado reflete sobre alternativas energéticas para o transporte rodoviário no Brasil. Que alternativas energéticas garantiriam a sustentabilidade nesta área?
Márcia Valle Real – Em termos de Brasil, diria que somos privilegiados: além das reservas de petróleo do pré-sal, as perspectivas de fontes renováveis para o segmento são muito boas. Em especial para biocombustíveis e eletricidade. No entanto, é preciso melhorar a qualidade e a disponibilidade de transporte público sobre trilhos, especialmente nas regiões metropolitanas, para reduzir os engarrafamentos e consequentes problemas de poluição nos centros urbanos.
Fonte: EcoAgência |